Dimensionamento de Calhas e Tubos de Queda
O dimensionamento de calhas e tubos de queda é uma das tarefas mais corriqueiras no dia a dia de engenheiros e engenheiras projetistas.
Apesar de relativamente simples, seu processo de cálculo ainda gera muitas dúvidas nas etapas de dimensionamento, principalmente pelo fato da norma vigente sugerir o uso de ábacos antigos de décadas atrás.
Naquela época, técnicas como o uso de réguas de cálculo eram usadas e, portanto, soluções de equações não-lineares não eram facilmente obtidas igual hoje, uma vez que temos softwares que contam com solvers não lineares (e.g., o próprio excel conta).
Nesse sentido, é fácil entender a razão da norma sugerir os ábacos; no entanto, conseguimos ter a mesma precisão ou até superior caso em nossos cálculos haja uma rotina que automaticamente gere esses ábacos.
Eles nada mais são do que curvas cota-descarga dos dispositivos de descarga.
Princípios e Hipóteses Adotadas no Dimensionamento de Calhas e Condutores
Calhas:
- A área de contribuição é pequena o suficiente para se adotar o método racional
- Os tempos de concentração são tão pequenos que se pode adotar valores da ordem de 5 a 10 min
- O coeficiente de runoff do telhado pode ser estimado, mas na grande maioria dos casos é assumido como 0.95
- A área considerada de drenagem pode ser calculada levando em conta a área projetada por um filete de chuva se propagando a 30 graus, com a horizontal
- No limite, a hipótese anterior pode ser simplificada adicionando, em termos práticos, 15-25% a mais de área de drenagem de cálculo para compensar o efeito da área projetada da chuva inclinada
- O regime de escoamento da calha é assumido como permanente e uniforme, e ela só é dimensionada para a vazão de pico do hidrograma do método racional
- Desse modo, adota-se a equação de Manning para estimativa da capacidade de escoamento da calha
- Para isso, adota-se a lâmina líquida de projeto da calha (e.g., 85% de sua altura ou diâmetro) e verifica-se se a calha suporta a vazão proveniente do hidrograma do método racional
Equacionamento
- Vazão de pico do método racional
$$ Q_{\mathrm{p}} = k \cdot C \cdot i(\mathrm{TR, t_c}), A $$
onde $C$ é o coeficiente de runoff do telhado, $i$ é a intensidade de precipitação de projeto definida para um tempo de retorno $\mathrm{TR}$ e duração de tempo de concentração $t_\mathrm{c}$. A constante $k$ converte as unidades para o sistema desejado.
- Capacidade de escoamento da calha
$$ Q_{\mathrm{c}} = \frac{1}{n} A_{\mathrm{c}} R_{\mathrm{h}}^{2/3} s_{\mathrm{f}}^{1/2}$$
onde $n$ é o coeficiente de Manning da calha que depende de seu material [$\mathrm{s\cdot m^{-1/3}}$], $R_{\mathrm{h}}$ é o raio hidráulico da calha que relaciona sua área molhada ($A_{c}$) [$\mathrm{m^2}$] com seu perímetro molhado $P$ [$\mathrm{m}$] e $s_{\mathrm{f}}$ é a declividade da linha de energia que pode ser assumida como a declividade da calha [$\mathrm{m/m}$].
Por exemplo, para calhas retangulares:
$$A_{\mathrm{c}} = b_c \cdot h_{c} $$
onde $b_c$ e $h_c$ são a base e a altura d’água adotada no dimensionamento da calha, respectivamente.
Desse modo, o perímetro da calha é:
$$P = b_c + 2h_c$$
Condutores Verticais
- O regime de escoamento dos condutores é não forçado, apesar de ter-se a impressão de que o tubo possa ficar cheio
- Dependendo da carga hidráulica no topo do tubo, dois regimes de escoamento podem ocorrer
- Primeiro, para cargas hidráulicas relativamente baixas, o condutor vertical pode ser dimensionado usando-se uma equação de vertedor
- Depois, com cargas já relativamente mais altas, o condutor pode ser dimensionado com uma equação de orifício
Equacionamento
A capacidade hidráulica do condutor vertical pode ser descrita pela Eq. de Frutuoso Dantas, como:
$$
\begin{array}{ll}
Q_{\mathrm{CV}}=0.0116 \cdot \text { D } \cdot h_c^{1,5} & \text { para } h_c / D <1 / 3 \\
Q_{\mathrm{CV}}=0.0039 \cdot D^2 \cdot h_c^{0,5} & \text { para } h_c / D >1 / 3
\end{array}
$$
onde $D$ é o diâmetro do condutor vertical em mm e $h_{c,*}$ é a altura d’água na superfície superior do condutor, também em mm. $Q_{\mathrm{CV}}$ é a capacidade do condutor dada em L/min.
É importante notar um detalhe aqui. Caso a calha esteja super dimensionada, a altura de projeto da calha $h_c$ será muito superior à altura que de fato teria na calha para escoar a vazão de projeto, que por sua vez vai também super dimensionar o condutor vertical.
Assim, o ideal é descobrir qual a altura $h_{c,*}$ de modo que, caso essa altura esteja na calha produza exatamente a vazão de projeto da hidrologia. Essa e a altura que vai de fato chegar no condutor vertical.
Você pode resolver a equação não-linear de Manning e descobrir qual é essa altura usando o solver do excel ou pode ir simplesmente trocando $h_c$ até as vazões baterem, aproximadamente.
Caso você super dimensione a calha e adote uma altura $h_c >> h_{c}^{*}$ saiba que pode estar super dimensionando seu condutor.
Finalmente, adotando-se N condutores verticais e isolando o diâmetro do tubo na equação do tubo de queda, podemos chegar que:
$$
D=\sqrt{\frac{\left(\frac{Q_{\mathrm{p}}}{N}\right)}{0,0039 \cdot h_{c,*}^{0,5}}} \text { se } \frac{h_{c,*}}{D}>\frac{1}{3} \quad \text { ou } D=\frac{\left(\frac{Q_{\mathrm{p}}}{N}\right)}{0,0116 \cdot h_{c,*}^{1,5}} \text { se } \frac{h_{c,*}}{D}<\frac{1}{3}
$$
Exemplo – Dimensionamento de Calhas e Tubos de Queda
Dimensione um sistema de drenagem superficial para um telhado de uma água com 200 $\mathrm{m^2}$ de área que drena para uma calha lateral, com coef. de Manning de 0.012 $\mathrm{s \cdot m^{-1/3}}$. A calha tem 1% de declividade.
Dimensione o sistema para um tempo de retorno de 10 anos, usando a seguinte IDF
$$ i(\mathrm{mm/h}) = \frac{K \cdot \mathrm{TR}^a}{(b + t_c)^c} = \frac{819.67 \cdot \mathrm{TR}^0.138}{(10.77 + t_c)^0.75}$$
Utilize dois condutores verticais para a prumada e garanta uma calha que tenha a melhor capacidade hidráulica por perímetro, isto é, sua altura é igual a duas vezes a base.
Solução:
A vazão de pico do telhado é
$$ Q_p = 1/60 \cdot 0.95 \cdot \frac{819.67 \cdot \mathrm{10}^0.138}{(10.77 + 5)^{0.75}} 200 = 450~\mathrm{L/min}$$
Essa vazão de pico é retirada do hidrograma do método racional, apresentado logo abaixo:
A capacidade hidráulica de uma calha de 0.10 x 0.29 m é de 1169.6 L/s, maior que a vazão do telhado
Resolvendo a equação de cota-vazão da calha para diversas declividades e diversas cotas, chegamos no seguinte gráfico (a fim ilustrativo apenas)
No entanto, a altura $h_{c,*}$, iterando usando minha planilha, é de aproximadamente 9 cm.
Assim, o cálculo do diâmetro dos dois tubos de queda é calculado para as duas hipóteses de altura d’água em relação ao diâmetro.
Fazendo ambos os cálculos percebe-se que estamos falando do primeiro, isto é, do caso de dimensionarmos como um orifício, resultando em um diâmetro de cálculo de 78 mm que é arredondado para 2 tubos de 100 mm.
Alternativamente, você poderia usar um tubo de 200 mm, conforme ilustra o ábaco abaixo calculado resolvendo a Eq. de Frutuoso Dantas.
Perceba que se você usasse a altura de 20 cm da calha, o cálculo mudaria para 2 tubos de 125 mm. Por isso cuidado para não super dimensionar seu sistema.